Os inconvenientes da criação em série são muitos. As fêmeas reprodutoras, por exemplo, são postas para cruzar a cada cio e, para evitar despesas, não recebem alimentação e alojamento adequados e muito menos cuidados veterinários. Em muitos casos, quando perdem a capacidade reprodutora, são simplesmente sacrificadas. É muito comum também o cruzamento de animais de mesma linhagem, o que provoca problemas de saúde hereditários.
Muitos cães são forçados a passar toda a vida em alojamentos superlotados. Esse tipo de criação provoca estresse e derruba as defesas do organismo do animal, favorecendo o aparecimento de doenças como cinomose, parvovirose e tosse dos canis, síndromes fatais com períodos de incubação de sete dias. Comerciantes e criadores inescrupulosos apressam a venda dos animais para que os sintomas apareçam já sob a responsabilidade do novo dono. Quando a compensação ao consumidor insatisfeito é inevitável, geralmente se oferece um novo filhote, garantia típica para produtos com “defeito de fábrica”. A diferença é que, nesse caso, o produto defeituoso é um ser vivo, e o destino de um animal doente invariavelmente é o descarte, ou seja, o sacrifício.
Mas nem sempre as doenças se manifestam em curto prazo. A displasia, causada por um desajuste entre o osso da bacia e o da coxa, leva até oito anos para apresentar sintomas e é um dos males mais comuns entre raças de cachorros de grande porte. Hereditária, a doença progride sem ser percebida e, em estágio avançado, priva o animal de movimento e provoca dores. A única maneira de diagnóstico é pela radiografia, feita depois do primeiro ano de vida do animal. Caso detectado o problema, é recomendado que o animal pare de reproduzir e retransmitir a doença, sugestão que muitos criadores simplesmente ignoram.
Cobrar das autoridades o controle desse mercado é um trabalho árduo. Sim, o país possui legislação que proíbe a crueldade com animais, mas a negligência e os maus-tratos para com cães e ninhadas por parte dos criadores raramente são punidos. Sem dúvida seria ótimo se os órgãos de saúde fiscalizassem o funcionamento dessas fabriquetas de filhotes, vistoriassem os mercados públicos, cobrassem a licença e os atestados de saúde veterinária obrigatórios. Mas, como isso não ocorre de forma eficaz – a multiplicação de feiras irregulares de animais está aí para comprovar –, a melhor opção é adotar medidas preventivas. Muitas cidades, por exemplo, se esforçam para reduzir a população de cães e gatos desabrigados. Os projetos vão desde a castração até o treinamento de professores para ensinar as crianças a serem mais responsáveis no trato e na posse de seus mascotes.
Para reverter esse ciclo cruel da criação e do comércio de filhotes, o papel mais eficiente é reservado aos cidadãos. Todo mundo pode fazer sua parte, sem precisar de grandes engajamentos ou protestos. Basta não alimentar o mercado da crueldade. Há várias maneiras de fazer isso. Uma delas é examinar as condições que as lojas de animais oferecem aos bichos e procurar saber se eles são provenientes de criadores responsáveis. Vale pedir o endereço para conferir pessoalmente. E ainda assim é possível ir além. Se você deseja adotar um amigo peludo ou emplumado, é bom saber que existem muitos animais à espera de adoção, sob a guarda de entidades de proteção e centros de controle de zoonoses, precisando apenas de uma chance para viver. Antes de adotar, porém, tome duas atitudes acertadas: certifique-se de que o animalzinho tenha passado por uma triagem veterinária. E lembre-se de castrá-lo a partir do segundo mês de vida.
* Presidente da ARCA Brasil, ONG que defende o respeito aos direitos dos animais (www.arcabrasil.org.br)
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